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2023
Large Canvas 4
Por
Gabriel Pérez-Barreiro

A relação indissolúvel entre arte e vida está no centro da prática de Ana Amorim. Desde os anos 1980, ela vem desenvolvendo um corpo de trabalho em que os movimentos do dia a dia são anotados e registrados com tal rigor que não há diferença efetiva entre estar viva e fazer arte. Nesse sentido, ela pertence a uma linhagem artística que inclui nomes como Tehching Hsieh, On Kawara, Chris Burden e Marina Abramovic. Ana Amorim desenvolveu seu trabalho em São Paulo, nos Estados Unidos, Reino Unido, Nova Zelândia, Austrália, Espanha e outros lugares. Falando de maneira mais geral, sua obra consiste de duas práticas em curso, distintas, porém correlacionadas: Mapas Mentais, nos quais ela registra de memória, no final de cada dia, seus movimentos cotidianos, e Passagem do Tempo, em que ela registra cada segundo que passa com números e marcas gráficas.

Em 1988, Amorim redigiu seu primeiro texto importante: Decisões conceituais, um manifesto no qual ela define termos muito estritos para sua produção nos dez anos seguintes, como por exemplo: “Eu iria trabalhar com materiais baratos” ou “Eu não iria vender o meu trabalho”. Em 2001 ela desenvolveu essas ideias em um contrato que refletia suas convicções sobre como arte deveria ser mostrada. Os termos eram intencionalmente tão rigorosos (por exemplo, nenhum patrocínio de empresas que produzem danos ambientais ou sociais) que ela efetivamente se auto isolou do sistema de arte comercial. Esses termos estiveram vigentes durante quase duas décadas, período em que ela continuou a produzir sua obra diariamente, mantendo-a desconhecida exceto para um pequeno grupo de amigos e apoiadores. Como resultado dessa decisão, o seu corpo de trabalho se encontra praticamente intocado.

Esta mostra individual da galeria Millan apresenta uma única e emblemática obra: Grande Tela 4, de 1991. Esse trabalho expansivo e imersivo elucida sua prática, reunindo os mapas mentais diários e também a contagem de segundos para marcar o tempo. O trabalho consiste em 318 tiras de tecido nas quais ela desenhou suas rotas diárias, em preto para os trajetos corriqueiros e vermelho para os novos. Cada tira traz também um pedaço de tecido costurado, recortado dos entornos imediatos da artista, enquanto a parte de baixo mostra seu registro subjetivo dos segundos durante uma hora. A obra cobre as paredes do estande, proporcionando uma visão potente de sua prática e suas implicações.

A obra de Amorim atravessa duas importantes tradições na prática da arte contemporânea. De um lado, a ideia de arte produzida mediante instruções e contrato, que remonta aos trabalhos de Moholy-Nagy nos anos 1920, encomendados por telefone, e que alcançou sua maturidade no Artist’s Contract [Contrato de artista] de Seth Siegelaub, de 1970, segundo o qual o artista assume o controle da distribuição e circulação de seu trabalho. A outra tradição é a que rompe com as divisões entre o mundo da arte e a vida cotidiana, que também tem suas raízes nas práticas das vanguardas, mas que foi revitalizada por grupos como a Internacional Situacionista, Fluxus, e outros. Amorim constrói seu trabalho a partir dessas tradições, e ao mesmo tempo incorpora os elementos do bordado e da arte têxtil, acrescentando às obras uma potencial leitura feminista. Ao reunir uma prática conceitual rigorosa com a arte “menor” dos têxteis, ela expande o campo tradicionalmente masculino da arte conceitual a novas áreas.